Poucas invenções tiveram um impacto tão profundo em nosso cotidiano como a refrigeração, especialmente na forma como nos alimentamos.
Mas ainda existem lugares no mundo, como a África subsaariana, onde uma cadeia de fornecimento de alimentos refrigerada e ininterrupta – ou simplesmente “cadeia do frio” – ainda não é realidade.
Para os pesquisadores que estudam como as mais variadas atividades humanas afetam a produção de gases que alteram o clima do planeta, a introdução de uma cadeia de frio em uma região oferece a oportunidade de examinar uma relação pouco estudada.
A refrigeração reduz significativamente as perdas de alimentos, mas é um processo intensivo em energia, responsável por cerca de 1% do total mundial de emissões gases de efeito estufa (GEE).
Em suma, a pergunta é: o aumento das emissões provocado pela operação de uma cadeia de frio supera as emissões evitadas pela redução do desperdício de alimentos?
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Dois pesquisadores da Universidade de Michigan usaram modelos de computador para simular a introdução de uma cadeia de fornecimento de alimentos refrigerada e integrada na África subsaariana.
Eles concluíram que as emissões de GEE ligadas à operação de uma cadeia de frio para suprir o consumo usando como cenário o estilo de vida norte-americano seriam cerca de 10% maiores do que as emissões evitadas pela perda de alimentos.
“Analisamos se as emissões de GEE associadas à operação de uma cadeia de fornecimento refrigerada são compensadas pelas reduções esperadas na perda de alimentos. Infelizmente, elas não são”, disse a coautora do estudo Shelie Miller, professora do Centro para Sistemas Sustentáveis da Universidade de Michigan, num artigo publicado quarta-feira (19) na edição online da revista científica Environmental Science & Technology.
“A mensagem sobre os impactos diretos da refrigeração é bastante clara. Quando você está olhando estritamente para a tecnologia em si, a cadeia do frio adiciona mais GEE do que evita”, escreveu Miller. O primeiro autor do artigo é o doutorando Brent Heard.
O estudo
Na simulação computacional, Miller e Heard analisaram cenários em que cadeias do frio para suprir padrões norte-americanos e europeus de consumo foram introduzidas no sistema alimentar pós-colheita na África subsaariana, criando emissões adicionais por meio do uso de fluidos refrigerantes e eletricidade e, ao mesmo tempo, reduzindo a perda de alimentos.
As emissões de GEE necessárias para levar um quilo de comida refrigerada para os pontos de venda foram calculadas para sete categorias de alimentos: cereais, raízes e tubérculos, peixes e frutos do mar, frutas, legumes, carne e leite. O estudo examinou apenas os impactos até ponto de venda, antes do consumo.
Heard e Miller também analisaram a redução do desperdício de alimentos devido à refrigeração e às “emissões incorporadas” vinculadas às perdas de alimentos.
“É preciso muita energia para cultivar brócolis ou para criar uma galinha. Quando você desperdiça comida, joga essa energia fora”, disse Miller. “Por outro lado, se você precisa produzir menos alimentos porque há menos desperdício devido à refrigeração, você economiza energia e gera menos emissões [de GEE]”, acrescentou.
Aumento de emissões
A África subsaariana foi selecionada como a linha de base para o estudo porque a região não possui infraestrutura frigorificada e tem altas taxas de perda de alimentos pós-colheita.
Os EUA tinham uma estimativa de 0,37 metros cúbicos de armazenamento refrigerado per capita em 2014. Esse valor é altamente elevado em relação às estimativas recentes de 0,015 m³ per capita em áreas urbanas da África do Sul; 0,0051 metros cúbicos em áreas urbanas da Namíbia; e 0,002 m³ em áreas urbanas da Etiópia e da Tanzânia.
No total, estimava-se que a cadeia do frio acrescentasse mais emissões do que economizava por meio de perdas alimentares evitadas. A introdução da refrigeração na África subsaariana aumentaria as emissões líquidas de GEE em 10% no cenário norte-americano, e em 2% no cenário europeu, apesar de reduzir as perdas de alimentos em 23% em ambos os cenários.
O aumento de emissões foi maior no cenário norte-americano porque elas são maiores que as europeias em cinco dos sete tipos de alimentos analisados, de acordo com Heard e Miller.
Embora os impactos diretos da refrigeração sejam facilmente perceptíveis, a história ficou mais complexa quando os cientistas examinaram os efeitos indiretos da introdução da cadeia de frio.
“Quando uma tecnologia transformadora como a refrigeração é introduzida pela primeira vez, é provável que haja inúmeros efeitos indiretos no sistema alimentar, desde a forma como os alimentos são cultivados e armazenados até a maneira como as pessoas compram e comem”, observou Miller.
Potenciais mudanças na dieta foi um dos efeitos indiretos examinados pelos pesquisadores.
A introdução de cadeias de fornecimento refrigeradas robustas tem sido associada a mudanças na dieta à medida que as nações se desenvolvem. A cadeia do frio permite o suprimento e consumo de produtos alimentícios perecíveis de maneiras que de outra forma não seriam possíveis – mirtilos do Chile podem ser encontrados em supermercados norte-americanos em dezembro, por exemplo.
A refrigeração também pode levar a mudanças na dieta para alimentos mais intensos em emissões, como carnes. Quando Heard e Miller incorporaram mudanças na dieta em seu estudo de modelagem, eles descobriram que a introdução da cadeia fria na África subsaariana poderia aumentar as emissões de GEE em 10% no cenário norte-americano, mas reduziria as emissões em 15% no cenário europeu.
A diferença entre os dois resultados deve-se, principalmente, ao nível de consumo de carne na dieta norte-americana. Nos EUA, o consumo de carne per capita é 37% maior do que na Europa.
“Estes resultados indicam a importância de incorporar a influência de uma tecnologia nas preferências dos consumidores em uma avaliação de seus resultados ambientais”, salientou Heard.
“A refrigeração pode levar a mudanças em direção a alimentos mais intensos em emissões, criando um cenário de aumento dos impactos ambientais”, alertou.
Os pesquisadores observam que o estudo de modelagem se concentrou apenas nas emissões de GEE e não levou em conta vários benefícios da introdução da cadeia de frio, incluindo segurança alimentar, resultados de saúde e objetivos de desenvolvimento. Tais fatores devem ser incluídos em uma avaliação completa da cadeia de frio como uma tecnologia, dizem eles.
“As descobertas do nosso estudo motivam a necessidade de promover a adoção de opções de refrigeração eficientes e ambientalmente amigáveis na cadeia de fornecimento de alimentos”, disse Heard.
“À medida que os sistemas alimentares se desenvolvem em todo o mundo, é fundamental avaliar os impactos ambientais das tecnologias, para que possamos identificar áreas de melhoria e promover resultados sustentáveis”, completou.
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