A Emenda de Kigali ao Protocolo de Montreal, um acordo ambiental histórico aprovado em Ruanda, em 2016, com o objetivo de reduzir a produção e o consumo de hidrofluorcarbonos (HFCs), entrou em vigor em 1º de janeiro.
Entretanto, mais de dois terços dos países integrantes do tratado estabelecido há pouco mais de 30 anos para diminuir o buraco da camada de ozônio ainda não ratificaram o texto com as novas regras. Entre eles, estão os EUA e a China, os dois maiores produtores e consumidores de HFCs.
Nas últimas décadas, essas substâncias foram amplamente difundidas no setor de refrigeração e ar condicionado como uma alternativa ecológica aos clorofluorcarbonos (CFCs) e hidroclorofluorcarbonos (HCFCs), fluidos refrigerantes altamente nocivos ao “escudo” que protege a Terra da radiação solar ultravioleta (UV).
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No entanto, os HFCs são classificados como gases fluorados com efeito estufa (f-gases). Isso quer dizer que, embora não sejam prejudiciais ao ozônio estratosférico, eles agravam o aquecimento global, conforme tem alertado a comunidade científica.
Segundo a Emenda de Kigali, os países desenvolvidos devem liderar a redução gradual desses fluidos refrigerantes, começando com uma redução de 10% este ano e um corte de 85% em 2036 (em comparação com a linha de base de consumo de 2011-2013).
Já os países em desenvolvimento têm um cronograma de redução progressiva mais generoso. A Emenda de Kigali divide-os em dois grupos. O primeiro – que inclui o Brasil e a China – congelará o consumo de HFCs em 2024, dando seus primeiros passos de redução a partir de 2029.
O segundo grupo, incluindo a Índia, o Irã, o Iraque, o Paquistão e os países do Golfo Pérsico, cumprirá um prazo mais tardio, congelando o uso em 2028 e reduzindo o consumo a partir de 2032.
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“Cortar o uso desses gases pode evitar até 0,4 °C de aquecimento global até o final do século”, diz Joyce Msuya, diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
Em 1º de janeiro, apenas 65 países – entre os 197 signatários do Protocolo de Montreal – haviam ratificado a Emenda de Kigali. Ainda assim, Msuya mantém um tom otimista.
“Podemos nos dar ao luxo de ter algum otimismo sobre esse acordo. Afinal, o Protocolo de Montreal é o tratado que salvou nossa camada de ozônio”, salienta Msuya.
Sinal claro para o mercado
A entrada em vigor da Emenda de Kigali estabelece um cronograma claro de redução de HFCs, passando uma forte mensagem para a indústria de aquecimento, ventilação, ar condicionado e refrigeração (HVAC-R).
A ideia é que o setor forneça, cada vez mais, soluções tecnológicas que permitam o cumprimento das metas do acordo, como máquinas mais eficientes e compatíveis com fluidos refrigerantes de baixo ou nenhum potencial de aquecimento global (GWP).
“Com a Emenda de Kigali, temos uma chance real de desferir um grande golpe na mudança climática”, diz Tina Birmpili, secretária executiva do Secretariado do Ozônio da agência ambiental da ONU.
Classificando o acordo como “a promessa de ano novo que não devemos quebrar”, Birmpili chama a atenção para as medidas práticas que algumas partes do Protocolo de Montreal já têm adotado para implementar o novo dispositivo.
“Com financiamento do Fundo Multilateral para a Implementação do Protocolo de Montreal, as partes estão construindo suas capacidades, fortalecendo instituições e desenvolvendo estratégias nacionais para garantir que enfrentemos os HFCs rápida e decisivamente”, salienta Birmpili.
“Essa atividade preparatória nos dá esperança de que podemos ter sucesso”, acrescenta.
Futuro incerto
No Brasil, a Emenda de Kigali aguarda aprovação do Congresso Nacional para que a ratificação seja encaminhada à ONU. Entretanto, o futuro da liderança do País em questões climáticas no âmbito global é incerto, na avaliação do Observatório do Clima.
Segundo essa coalizão de organizações não governamentais (ONGs) que lutam contra o aquecimento global, o “radicalismo ideológico” do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é uma “ameaça para o planeta, ao negar a mudança do clima e, presumivelmente, os esforços internacionais para combatê-la”.
O Blog do Frio enviou para as assessorias de imprensa do Itamaraty e do Ministério do Meio Ambiente questionamento sobre o tema na manhã de ontem (4), mas não obteve respostas até o fechamento desta reportagem.