Depois de vencido o maior desafio no combate à pandemia do novo coronavírus, que foi o desenvolvimento de vacinas, o mundo agora enfrenta outro obstáculo: a logística de cargas que demandam câmaras superfrias e gelo seco em grandes quantidades.
Praticamente, nenhum país possui uma cadeia de suprimentos estruturada para armazenar e transportar em larga escala imunobiológicos que utilizam tecnologia de base genética – caso da Comirnaty, vacina contra a covid-19 cujo pedido de registro definitivo no Brasil está em análise na Anvisa.
Nem mesmo centros de vacinação localizados em grandes cidades dispõem de refrigeradores capazes de atingir temperaturas entre -80 °C e -70 °C para conservar a vacina desenvolvida pela farmacêutica norte-americana Pfizer em parceria com a empresa de biotecnologia alemã BioNTech.
“Dada as dificuldades de sua distribuição e conservação a -70 °C, não acredito que ela venha a ser usada no País, apenas talvez em centros de excelência com tempo limitado de armazenagem”, avalia o engenheiro Oswaldo Bueno, presidente do Instituto Brasileiro do Frio (IBF) e consultor da Abrava.
Prevendo a escassez global de freezers de temperatura ultrabaixa (ULT, na sigla em inglês) e de sistemas de transporte refrigerado apropriados à sua vacina, a Pfizer ressalta em seu site que desenvolveu “planos logísticos detalhados e ferramentas para apoiar o transporte eficaz, o armazenamento e o monitoramento contínuo da temperatura”, por meio de dispositivos conectados à Internet das Coisas (IoT).
“Desenvolvemos inovações em embalagens e armazenamento adequadas à finalidade de atender às necessidades de nossa rede mundial de distribuição. Temos caixas isotérmicas especialmente projetadas e com temperatura controlada, utilizando gelo seco para manter as condições de refrigeração recomendadas por até 10 dias sem abrir”, diz a empresa.
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A intenção da Pfizer é utilizar seus parceiros estratégicos de logística para enviar a Comirnaty por via aérea às principais cidades de um país ou região e por transporte terrestre para os locais de aplicação.
A empresa também informa que suas caixas térmicas especiais têm aproximadamente o tamanho de uma mala de mão e pesam 36,2 quilos quando totalmente carregadas com 975 frascos (4.875 doses) do imunizante.
Depois de aberta, e se for usada como armazenamento temporário por um centro de vacinação, a embalagem pode ser utilizada por um total de 15 dias, se houver reabastecimento de gelo seco a cada cinco dias.
“Após armazenamento por 15 dias no remetente térmico, é possível transferir os frascos para condições de armazenamento de 2 °C a 8 °C por mais cinco dias”, diz a empresa, ressaltando que, “uma vez descongelados e armazenados sob condições de 2 °C a 8 °C, os frascos não podem ser recongelados ou armazenados sob condições de congelamento”.
Visto que a rede de frio do Sistema Único de Saúde (SUS) trabalha com faixa de temperatura entre 2 °C e 8 °C, isso poderá ser muito útil ao Brasil, caso o governo decida adquirir a Comirnaty.
“O Brasil tem capacidade de fabricar câmaras frigoríficas, caminhões com baús frigorificados e congeladores de temperatura ultrabaixa”, afirma Bueno.
“Mas, por não ser uma aplicação comum, não há muita experiência na sua fabricação, montagem e operação. A tecnologia de dois circuitos de refrigeração em série (cascata) é conhecida, mas os detalhes vão exigir um aprendizado”, acrescenta.
Além disso, o Brasil não possui uma rede de distribuição frigorificada para vacinas e remédios que exigem temperaturas inferiores a -25 °C. “Ou seja, não está preparado para distribuir imunizantes a -70 °C”, reforça Bueno.
“No entanto, aqui é bastante comum o transporte e a armazenagem com algo em torno de -20 °C, o que pode duplicar o tempo de armazenagem das embalagens com isolamento térmico e gelo seco, em vez de mantê-las em um ambiente [externo] com médias de +30 °C. Nesse caso, é fundamental o registro da temperatura da vacina ao longo do transporte e da armazenagem, confirmando a marca de -70 °C.”