Na literatura técnica e não técnica, os refrigerantes à base de flúor são cada vez mais referidos como refrigerantes “químicos” ou “sintéticos”, em contraste com os chamados refrigerantes “naturais”. Geralmente, “químico” agora é visto por alguns como “ruim”, enquanto “natural” significa “bom”.
Entretanto, em termos químicos, a tentativa de distinguir os fluidos frigoríficos dessa forma genérica não faz nenhum sentido. É o que diz o professor Richard Powell, especialista britânico com mais de 40 anos de experiência nessa indústria.
“Refrigerante natural”, diz ele, “não passa de uma expressão marketeira, dado que todos os compostos do gênero são, na verdade, produtos químicos industriais”.
Ao contrário dos refrigerantes fluorados, prossegue Powell, água, ar, dióxido de carbono, amônia e alguns hidrocarbonetos são chamados de naturais apenas no sentido de estarem presentes na biosfera.
“Mas isso, por si só, não os torna necessariamente melhores do que outros refrigerantes”, observa o cientista, lembrando que o dióxido de enxofre, uma substância natural supostamente detectada em gases vulcânicos, “já foi apropriadamente rejeitado como refrigerante”.
Powell também ressalta que se o dióxido de carbono for recuperado da fermentação da biomassa, talvez possa ser razoavelmente denominado “natural” ou pelo menos “bioquímico”. Um termo melhor, em sua avaliação, seria “sustentável”.
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A amônia obtida a partir de resíduos animais em putrefação poderia ser classificada como natural, embora seja improvável que esse processo seja econômicamente viável para a indústria.
“Mais sensatamente, a amônia pode ser fabricada de maneira sustentável a partir do hidrogênio obtido da eletrólise da água, usando energia renovável e nitrogênio atmosférico por meio da tecnologia convencional”, esclarece.
“Em princípio, essa abordagem é sustentável, embora envolva uma síntese química. Portanto, a amônia produzida a partir desse processo também é sintética ou química, não natural”, reforça.
Os hidrocarbonetos são tipicamente fabricados em usinas de purificação de gás natural e refinarias de petróleo, que são usinas petroquímicas operadas principalmente para produzir combustíveis fósseis refinados e matérias-primas para a indústria química.
“Se os hidrocarbonetos fossem simplesmente recuperados por destilação a partir do gás natural, eles poderiam razoavelmente ser descritos como refrigerantes naturais, mas não seriam sustentáveis”, explica.
Os hidrocarbonetos podem ser fabricados a partir do processamento de biomassa, mas os produtos assim obtidos seriam “produtos químicos sintéticos” e, por isso, não poderiam ser descritos como naturais, mas apenas como sustentáveis, conforme destaca Powell.
Questão de semântica
O cientista reconhece que alguns profissionais do ramo podem considerar pedante essa discussão sobre fluidos sintéticos e naturais e argumentar que “natural” é apenas um rótulo conveniente para identificar um grupo de refrigerantes que têm baixo impacto ambiental direto.
“Embora falte precisão, isso pode ser aceitável como jargão para quem trabalha na área. Mas isso seria não compreender direito o ponto crucial por trás dessa questão”, explica.
“Tendo em mente que as comunidades científicas e técnicas são frequentemente criticadas por não comunicar claramente os trabalhos ao público em geral, devemos lembrar que o adjetivo ‘natural’ transmite um significado específico ao público leigo em geral, essencialmente de acordo com a definição do Dicionário Oxford: ‘existente ou derivado da natureza; não feito ou causado pela humanidade’. O termo ‘natural’ também implica para o público em geral que os produtos são intrinsecamente seguros ou, pelo menos, de baixo risco”, acrescenta.
Contudo, em se tratando de amônia e hidrocarbonetos, eles não são, obviamente, seguros como os refrigerantes fluorados (CFCs, HCFCs e HFCs), que foram originalmente introduzidos no mercado de refrigeração e ar condicionado devido ao seu risco comprovadamente baixo no local de serviço.
Embora algumas hidrofluorolefinas (HFOs) – a mais nova geração de fluorquímicos da indústria global – sejam classificadas como levemente inflamáveis (A2L), elas apresentam baixo risco de acidentes, lembra Powell.
Diante de todas essas explicações, “referir-se a qualquer produto químico usando o termo ‘natural’ é uma ofuscação ideológica”, conclui o cientista, enfatizando que, “para enfrentar o considerável risco ambiental do aquecimento global antropogênico, consideramos que todas as opções em termos de refrigerantes são necessárias para facilitar a transição para tecnologias de baixo carbono da forma mais rápida e segura possível”.
Em seu entendimento, a indústria de refrigeração e ar condicionado parece concordar claramente com essa visão, posto que fabricantes de todo o mundo têm desenvolvido equipamentos para operação com hidrocarbonetos, dióxido de carbono, amônia e HFOs.
O mais importante, segundo Powell, é levar em consideração o impacto climático durante o ciclo de vida (LCCP, na sigla em inglês) dos fluidos refrigerantes, uma vez que “concentrar-se exclusivamente no potencial de aquecimento global (GWP) deles pode levar a decisões irracionais e contraproducentes”.
“Isso encerra, elegantemente, o debate semântico entre fluido químico versus natural”, arremata Powell, ao dizer que “a indústria deve buscar, cada vez mais, refrigerantes sustentáveis”, composta por produtos “fabricados a partir de recursos renováveis por processos de baixo impacto ambiental, baseados em tecnologias químicas verdes e consistentes com o ethos da economia circular”.
Este post é um resumo do artigo do professor Dick Powell, que trabalha com compostos refrigerantes há mais de 40 anos, publicado originalmente na edição de abril de 2016 da revista norte-americana ACR News