Exames laboratoriais realizados pela Polícia Civil de Minas Gerais identificaram a presença do fluido refrigerante secundário dietilenoglicol em amostras de ao menos dois lotes da cerveja Belorizontina, da Backer.
A contaminação por esse anticongelante tóxico usualmente empregado na produção de bebidas industrializadas pode ter causado a morte de uma pessoa e a internação de outras sete nos últimos dias.
As amostras dos lotes L1 1348 e L2 1348 foram recolhidas nas residências dos pacientes internados com insuficiência renal aguda e alterações neurológicas.
Segundo o superintendente de polícia científica, Thales Bittencourt, o resultado das investigações é preliminar, não sendo possível, até o momento, concluir como o fluido contaminou as bebidas periciadas.
“Só é possível afirmar que ela foi identificada em duas amostras”, disse o perito, na tarde de quinta-feira (9), em entrevista à imprensa.
Logo após a Polícia Civil ter revelado o resultado da perícia, a cervejaria Backer informou que vai recolher todos os vasilhames de Belorizontina dos lotes L1 1348 e L2 1348.
A medida, segundo a empresa, é preventiva, pois o dietilenoglicol não faz parte do processo de produção de suas cervejas. A cervejaria não aponta nenhuma hipótese para explicar como, então, a substância teria contaminado os produtos periciados.
“A Cervejaria Backer continua à disposição das autoridades para auxiliar no que for necessário até a conclusão das investigações”, afirma a empresa, em nota.
Segundo a secretaria estadual de Saúde, o primeiro dos oito casos de síndrome nefroneural foi registrado pelo Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde em 30 de dezembro, em Belo Horizonte. A segunda vítima foi internada em um hospital de Juiz de Fora.
Nos dias seguintes, outras seis pessoas deram entrada em hospitais da região metropolitana da capital mineira, com insuficiência renal aguda e alterações neurológicas centrais e periféricas. Na terça-feira (7), um paciente internado em Juiz de Fora morreu em função de complicações no quadro.
Ainda de acordo com a secretaria de saúde, os pacientes apresentaram uma rápida deterioração do estado de saúde: em média, em dois dias e meio após o surgimento dos primeiros sintomas, as pessoas tiveram que ser internadas. Um nono caso foi descartado pelo fato de não apresentar os mesmos sintomas dos demais e por ter doença renal prévia.
Uma força-tarefa com técnicos das secretarias de Saúde de Belo Horizonte e de Minas Gerais e do Ministério da Saúde foi criada para acompanhar as investigações e as medidas necessárias à proteção da população.
Uso de dietilenoglicol em cervejarias é raro, diz Abracerva
O presidente da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), Carlo Lapolli, diz que a substância dietilenoglicol raramente é usada na produção de cervejas.
Lapolli observa que, devido a propriedades anticongelantes, o dietilenoglicol costuma ser empregado em sistemas de refrigeração, por vários segmentos produtivos. E que também pode ser encontrado em radiadores de veículos.
No entanto, segundo o dirigente da entidade que representa parte dos fabricantes brasileiros de cerveja, dos fornecedores de matéria-prima e de pontos de venda da bebida, a indústria cervejeira costuma optar por outros produtos.
“Quase a totalidade das cervejarias artesanais utiliza álcool etílico [como anticongelante], ou seja, o álcool puro, que não oferece nenhum tipo de risco de contaminação caso entre em contato com a cerveja”, explica.
De acordo com Lapolli, as investigações sobre as causas da contaminação, que levou várias pessoas a serem internadas terão de apontar como e em que momento as cervejas da Backer foram contaminadas pelo dietilenoglicol.
“Essa é uma pergunta que terá que ser respondida, já que a própria cervejaria Backer afirma que não utiliza o dietilenoglicol em sua fábrica”, diz.
Segundo Lapolli, em todo o mundo, cervejarias utilizam um sistema de refrigeração parecido, empregando tanques duplos encapsulados, o que evita o contato da cerveja armazenada com o fluido usado no sistema de refrigeração.
“O sistema de resfriamento de uma cervejaria serve para manter a cerveja gelada nos tanques. A cerveja fica armazenada em tanques revestidos internamente por inox. Ao redor deles há uma serpentina que fica protegida por uma outra placa de inox, que forma a camada que vemos por fora”, explica.
“Esse sistema de tanques encamisados é utilizado no mundo inteiro e não temos notícias desse tipo de contaminação em nenhuma cervejaria do mundo. Seria um fato inédito. Eu, particularmente, não tenho notícias de vazamentos desse tipo na indústria [mundial]”, comenta Lapolli, ao considerar a hipótese de que o dietilenoglicol tenha contaminado parte da produção da Backer.
Mesmo apontando a necessidade de aprofundamento das investigações, o presidente da Abracerva considerou acertada a decisão da Backer de recolher os dois lotes de cerveja.
“Há algumas perguntas que teremos que aguardar para ver respondidas. Acho que temos que aprofundar a investigação e realmente saber a origem dessa contaminação, a causa dessa síndrome e se, realmente, ela está ligada ao dietilenoglicol e não a nenhum outro tipo de agente [contaminante] externo”, avalia.
ATUALIZAÇÃO – A Polícia Civil de Minas Gerais informou, na tarde de segunda-feira (13), que o dietilenoglicol, inicialmente encontrado em dois lotes da cerveja Belorizontina, também foi encontrado num dos tanques de refrigeração da Cervejaria Backer, em Belo Horizonte.