Iniciado nos anos 1990, com a abertura do mercado às importações, a chamada desindustrialização do Brasil só fez aumentar nas décadas seguintes, motivada por fatores como supervalorização do real, juros altos e o famosíssimo Custo Brasil.
Hoje, o fenômeno pode ser considerado global, na esteira de novos padrões de consumo e da automação crescente dos meios de produção.
Mas no caso brasileiro, como se vê, tudo começou bem antes, e atualmente a reindustrialização é tema do dia em entidades como a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e suas federações país afora.
As palavras de ordem dessa reação incluem redução do Custo Brasil – sempre ele -; incentivos fiscais; simplificação legal e burocrática – todos velhos conhecidos nossos.
Tudo isso regado a um banho de infraestrutura por parte do governo, haja vista a situação de boa parte de nossas estradas e portos, por exemplo.
E o HVAC-R, como fica nisso tudo?
Para iniciar uma série de entrevistas sobre o tema, convidamos o empresário Sérgio De Leon, que em 2018 aceitou o desafio, por meio da indústria gaúcha ZL, de ser pioneiro na produção local de ferramentas especialmente projetadas para os profissionais de refrigeração e ar-condicionado.
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BF: Como pôde evoluir tanto a desindustrialização do nosso país, a partir de condições macroeconômicas e internas surgidas há quase 35 anos?
De Leon: Não só aqui, mas em boa parte do mundo, a partir de um dado momento a mão de obra barata na China atraiu a produção parcial ou total de muitas empresas.
Num primeiro momento, isso trouxe ao consumidor produtos mais baratos, mas logo ele teve prejuízo ao adquirir itens de qualidade duvidosa, que não passavam de cópias dos fabricados legitimamente pelas indústrias, inclusive brasileiras, que lá se instalaram.
Mas nem mesmo essa percepção de mercados como o nosso evitaria um grande prejuízo no ambiente de negócios, principalmente para os fabricantes de menor porte.
BF: No caso de sua empresa, a ZL, como isso se revelou?
Não temos concorrentes locais na produção de ferramentas manuais para refrigeração, pois a grande maioria vem de fora, principalmente da China e dos EUA.
Isso dificulta muito o pós-venda, pois na maioria das vezes o frete para o local de origem inviabiliza a troca dos itens que apresentam problema, penalizando o importador e, de forma mais severa, o próprio consumidor.
Porém, os quase 30 anos de experiência em campo me deram muita vivência do dia a dia. Depois, com a ZL, me dediquei muito a ouvir pessoalmente os profissionais, suas dores e necessidades, procurando meios de mitigá-las.
Usei então esse conhecimento para dar origem a ferramentas simples, eficientes, confiáveis e com uma estética aliada a praticidade e robustez, o que acabou chamando a atenção do pessoal de fora, até aparecer uma válvula que, nitidamente, tomou a nossa como modelo.
Ela usa o mesmo conceito com 2 registros para fazer o controle independente e otimizar o processo de vácuo, no lugar dos extratores tradicionais, recurso que hoje parece simples, mas antes da ZL ninguém o havia utilizado.
BF: Qual é a sua visão de futuro nesta área tão estratégica, que é a reindustrialização do nosso país?
De Leon: Espero que esse processo dê certo, pois somos um país continental, com um povo inteligente, trabalhador. Somos igualmente ricos em recursos naturais, não podemos nos transformar apenas na fazenda do mundo, por mais que nosso agro seja motivo de orgulho.
Nós temos potencial para reverter esse quadro. Brasileiros inventaram o avião, o rádio … Mas os louros de vitórias assim nos foram tirados, por sermos um país de terceiro mundo, em plena América do Sul, sem condições de lutar pelo merecido reconhecimento.
Mas ninguém pode tirar o DNA do brasileiro, marcado por criatividade e capacidade resolutiva, diante dos mais diversos problemas.
Somos perfeitamente capazes de ter aqui indústrias para competir de igual para igual no mercado externo. Condições e profissionais capacitados para isso não nos faltam. Precisamos apenas de um ambiente mais amigável para quem quer produzir.
BF: E quais seriam, no seu entender, as características básicas desse novo ambiente de negócios para a indústria brasileira?
De Leon: As mudanças necessárias certamente incluem leis menos restritivas e burocráticas, pois nenhuma economia é capaz de crescer com o seu setor industrial marginalizado e sufocado por um cabedal de normas, regras e processos a obedecer, a maioria visivelmente em exagero.
BF: No campo da formação profissional, o que o senhor diria, considerando-se a necessidade premente de a indústria nacional se recuperar?
De Leon: Um exemplo de sucesso na modificação de quadro semelhante é a Coreia do Sul, que investiu maciçamente no profissional de nível médio, que é quem carrega o piano, faz as coisas acontecerem.
Enquanto isso, aqui no Brasil criou-se a cultura de que esse perfil representa uma subclasse. Que o cara bom mesmo é o de nível superior.
Mas, num país com mais de 200 milhões de habitantes, se todos forem engenheiros, quem vai apertar o parafuso da máquina?
Certamente alguma coisa não vai bem quando as crianças de um país chegam à quarta série sem saber fazer contas.
BF: Num cenário assim, a disseminação de informações confiáveis pela internet assume, pelo menos em parte, esse papel educativo?
De Leon: Uma nova mentalidade tornou-se possível com a informação descentralizada e distribuída.
Hoje, quando aparece algo fora de contexto, os grupos de WhatsApp e das redes sociais iniciam uma troca de ideias que vai filtrando os ruídos, coisas em geral que nada agregam, pelo contrário.
Isso ajuda a separar conteúdos realmente interessantes daqueles voltados a desinformar ou, pior ainda, promover interesses escusos de cunho meramente comercial ou ideológico.
Ao mesmo tempo, o sistema S, que no passado protagonizou a formação profissional do nosso país, deve retomar essa posição de vanguarda e voltar a capacitar os nossos jovens com a força de outrora.
Com base em tudo isso, acredito que, em um futuro breve, também deveremos ser a fábrica do mundo em vários setores, a exemplo do hoje pujante agronegócio.