O maior gargalo da indústria brasileira de aquecimento, ventilação, ar condicionado e refrigeração (HVAC-R) sempre foi a escassez de técnicos de serviços e instaladores realmente qualificados.
Segundo estimativas de acadêmicos e empresários do setor, menos de 20% da mão de obra que atua na área possui capacitação adequada, o que resulta em serviços malfeitos, retrabalhos, acidentes e desperdícios.
Por essas e outras razões, os refrigeristas treinados e qualificados têm sido cada vez mais reconhecidos e valorizados por empresas e consumidores.
Formanda em engenharia mecânica pela Universidade Paulista (Unip), a técnica em refrigeração e climatização Carmosinda Santos conhece muito bem essa realidade.
Desde a sua adolescência, ela demonstrou interesse em equipamentos mecânicos, elétricos e construção civil. No início da sua vida profissional, Carmosinda trabalhou como feirante, servente de pedreiro, vendedora e office girl.
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Em abril de 2007, aos 22 anos, ela foi trabalhar como auxiliar administrativa na Automação Analítica – atualmente Superlab –, uma fornecedora de instrumentos de analise física e química.
Entre os instrumentos que havia lá, um em especial chamou sua atenção: uma câmara climática fabricada pela Vötsch. “Eu fiquei interessadíssima no funcionamento desse equipamento. Ao procurar mais informações, fui apresentada à refrigeração, que até então, para mim, só servia para o refrigerador que eu tinha em casa”, conta.
Foi aí que um colega de trabalho que fazia a manutenção dessas câmaras recomendou para Carmosinda o curso técnico da Escola Senai “Oscar Rodrigues Alves”, na zona sul de São Paulo.
Aos 24 anos, ela foi aprovada no processo seletivo da instituição e iniciou seus estudos na área. “Foi paixão à primeira vista”, lembra.
Decisão crucial
Como o horário do curso no Senai era das 13h30 às 17h, Carmosinda teve de optar entre o trabalho e os estudos. Em julho de 2009, ela fez a melhor escolha e, portanto, pediu demissão de seu emprego.
Mas nem tudo são flores. “Eu precisava me manter financeiramente e, então, com o auxílio de um colega de curso, comecei a fazer manutenções avulsas em splits e geladeiras para sobreviver até me formar, em julho de 2011”, relata.
Logo após sua formatura, a Carrier do Brasil abriu um processo de seleção de trainees. Quinhentos candidatos disputaram quatro vagas. Carmosinda passou e se tornou a primeira técnica trainee da empresa.
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O projeto durou 18 meses. Nesse período, ela trabalhou no departamento de pós-venda e na divisão de resfriadores de líquido, auxiliando em atividades administrativas, no credenciamento da rede autorizada e nos processos de garantia dos umidificadores, máquinas de gelo, splits, selfs, fancoils e chillers, além de ter acompanhado técnicos de serviços em campo.
Ao término do projeto, Carmosinda se tornou a primeira mulher técnica de serviços de campo da divisão de chillers da Carrier. “Recebi um veículo e ferramental, e iniciei minhas atividades como técnica volante, sempre me deslocando até o cliente para fazer manutenções preventivas, corretivas, atendimentos e startup de diversos tipos de equipamentos – alternativo, scroll, parafuso, centrífugo e absorção”, diz.
Novos desafios
Em maio do ano passado, a estudante de engenharia pediu seu desligamento da Carrier do Brasil para se tornar a primeira mulher técnica de campo da Vertiv (antiga Emerson Liebert) na América Latina, passando a atuar somente com climatizadores de precisão e a realizar manutenções preventivas, corretivas, atendimento e startup de selfs, fancoils e chillers.
Mas em abril deste ano, essa refrigerista que não recusa desafios foi convidada a fazer parte da Equinix, que opera mais de 100 data centers (chamados pela empresa de International Business Exchanges – IBXs) em mais de 33 áreas metropolitanas de 15 países em cinco continentes.
“Assim, me tornei a primeira mulher técnica em climatização da companhia e, logo de cara, ganhei um presente maravilhoso: participei do startup do primeiro chiller de precisão com tecnologia free cooling instalado nas Américas”, revela.
Segundo ela, o IBX de São Paulo abriga o mais importante ponto de troca de tráfego de dados da internet na América Latina. “Nessa estrutura, temos 50 fancoils de precisão, sete chillers Carrier de 300 TR cada, três chillers de precisão Vertiv de 350 TR cada, além dos splits e selfs aplicados para conforto, refrigeradores e bebedouros”, afirma, lembrando que a qualificação constante sempre abre novos horizontes para os profissionais do setor.
Preconceito de gênero
A notável experiência de Carmosinda Santos em estruturas complexas, como data centers, fez dela uma das profissionais mais respeitadas do HVAC-R brasileiro.
Mas ao longo de sua trajetória de sucesso no setor, ela teve de superar desafios inimagináveis para os homens, maioria absoluta dos engenheiros e técnicos em refrigeração e ar condicionado.
“Durante a prova do Senai, os outros candidatos me olhavam de forma atravessada, pois só eu era mulher. Isso ocorreu no primeiro dia de aula também, pois eu era única mulher da minha turma”, recorda.
“Durante o processo de seleção da Carrier, alguns concorrentes me olhavam com desprezo”, desabafa.
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No início de sua carreira como técnica, além das piadas de mau gosto que escutava diariamente de alguns colegas e clientes, ela ainda ouvia cantadas inoportunas e sempre tinha de detalhar minuciosamente o trabalho que fazia.
“Com o passar do tempo, fui ficando conhecida no mercado e hoje sou mais respeitada. Ainda escuto algumas piadas, mas são casos isolados, nada comparável ao começo”, afirma.
Por conta própria, ela realizou, recentemente, uma pesquisa no mercado de refrigeração da América Latina e não encontrou nenhuma outra mulher atuando em campo como ela.
Portanto, Carmosinda é, quem sabe, a primeira técnica do continente a trabalhar com chillers e climatizadores de precisão. “Será que sou?”, brinca.
Concurso internacional
Em consonância com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, especialmente o quinto, em que se busca a efetivação da igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e meninas, o HVAC-R tem se destacado como uma área em que a presença feminina vem crescendo.
Para levar esta mudança de paradigma mais adiante, Carmosinda se inscreveu, recentemente, no concurso global da OzonAction em cooperação com a ONU Mulheres, que visa aumentar a conscientização sobre as oportunidades disponíveis para mulheres no setor de refrigeração e ar condicionado.
Ramificação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), a OzonAction quer coletar, até 31 de julho, breves histórias inspiradoras de mulheres que trabalham na área, como técnicas, instaladoras, engenheiras e professoras, entre outras profissionais.
Segundo a OzonAction, estar ciente acerca das experiências femininas e das oportunidades disponíveis para elas pode encorajar e inspirar outras mulheres a seguir carreiras num mercado importante e que cresce rapidamente.