O custo dessa atitude, quando aceita passivamente pelo técnico, pode até ser a perda do seu registro profissional, por mais que alguns insistam na transferência de responsabilidade para o cliente, mediante a mera assinatura de um termo.
Quem atua em campo, porém, sabe perfeitamente quantas propostas indecentes acaba ouvindo no dia a dia, boa parte delas contrariando a máxima segundo a qual o cliente sempre tem razão.
A lista de ocorrências é grande, e um dos seus clássicos continua sendo aquela ”carguinha de gás” milagrosa.
”Isso não existe”, dispara Alan Guimarães, técnico formado pela Escola SENAI Oscar Rodrigues Alves em 2015, que atua com refrigeração doméstica, comercial e instalação de ar-condicionado.
“Se o fluido refrigerante não está no circuito, ele vazou e temos que, em primeiro lugar, achar o local do vazamento, fazer o reparo, trocar o filtro, evacuar o sistema e, só depois, fazer a reposição”, explica.
Alguns clientes, segundo ele, ficam bem chateados quando alguém se recusa a fazer apenas a carga solicitada, pois essa prática já foi bastante comum no passado.
Mas a solução aparentemente mais barata, acaba ficando cara, isso sim. ”Muitos procuram quem tope fazer o procedimento irregular e depois acabam nos ligando para realizar o serviço correto”, assegura.
Outro caso do gênero é quando o cliente sabe da existência de um vazamento interno, que não dá mais conserto, e pede a tal carguinha de gás, simplesmente para passar o refrigerador adiante, ”uma prática mais grave ainda, que não vale a pena o bom profissional endossar”, diz o técnico.
E Alan aproveita para deixar uma recomendação aos colegas: ”nunca negligenciem as boas práticas da refrigeração, pois isso pode trazer sérias consequências”.
O especialista em ar condicionado Felipe Machado também coleciona casos em que o jeito foi dizer não ao cliente.
Episódio típico da série é quando alguém pede para instalar um aparelho abaixo da capacidade indicada para o seu ambiente, a fim de economizar na aquisição da máquina.
Situação semelhante é a do cliente que quer, de qualquer jeito, aproveitar a infraestrutura existente no local, mesmo se ali estiver sendo instalado um condicionador completamente diferente e com outras especificações técnicas a serem observadas.
“Isso é simplesmente inviável, porque onde funcionava uma máquina de 12.000 BTU, com R 22, tubulação de 1/2 e cabo PP duas vias, por exemplo, e se pretenda instalar uma atual, com R32, as medidas são 3/8 e 1/4, pondera o técnico também formado pelo SENAI, com 9 anos de mercado e certificado por 10 fabricantes.
”A RESPONSABILIDADE É NOSSA”
Quem pensa estar se preservando se o cliente assinar um termo responsabilizando-se por algo condenável que tenha pedido, à revelia do próprio técnico que contratou, está muito enganado.
”Já tem jurisprudência de instalação que foi feita errada, porque o cliente pediu, queria que fosse daquele jeito, com máquina condenada e coisas assim, e o juiz entendeu que o especialista, no caso o profissional que estava fazendo o trabalho, seria o legítimo responsável por aquilo”, relata Carmosinda Santos.
Para essa técnica, formada também em engenharia mecânica e atual representante em São Paulo do Conselho Regional Técnico (CRT), a experiência de 14 anos na área, período em que passou por três fabricantes e um grande data center, corrobora a tendência hoje predominante na Justiça nesse particular.
“Quando um profissional entrega para um cliente um documento para ele se responsabilizar sobre algo, está errando duas vezes”, afirma.
O primeiro erro Carmosinda atribui ao fato de a pessoa estar sendo incoerente com o correto exercício da profissão, ao fazer algo errado com a mais plena consciência disso. ”Segundo: está colocando o cliente na condição de responsável por algo que caberia a ele, técnico, evitar”, acrescenta.
O cliente, segundo ela, pede sempre o melhor para ele, ”mas você, enquanto profissional, tem que fazer o correto, conforme a legislação e as normas, priorizando o conhecimento técnico e sua interação positiva com o meio ambiente, a saúde e a segurança”, defende.
“A sugestão que eu faço aos colegas é a seguinte: atentem à legislação vigente no país, porque instalação de ar-condicionado é uma atividade técnica, e é crime exercê-la sem a devida formação”, afirma Carmosinda, referindo-se às 1.200 horas/aula e obtenção de registro no CRT.
E adverte: “Ao atender alguém que saiba haver proteção legal à profissão e algo der errado no serviço, essa pessoa vai te processar e você pode perder o direito de trabalhar na área. E se não for profissional, pode até ser incriminado e pegar cadeia”.
Nem mesmo o Código de Trânsito Brasileiro é respeitado por muitos, pois o transporte dos cilindros pressurizados tem de ser feito em carro aberto, de pé, e fixado, “mas o pessoal coloca o cilindro deitado no banco de trás do carro”, exemplifica Carmosinda.
”A gente conhece a precariedade do ensino no Brasil e que todo mundo precisa trabalhar, mas isso não é justificativa para se ausentar do conhecimento da lei e das coisas corretas”, conclui.
TEIMOSIA DISPENDIOSA
Dentre os absurdos recorrentes que se vê por aí, Carmosinda destaca o protagonizado por aquele cliente que resolve colocar a unidade condensadora de um condicionador de ar onde ele bem entende, menosprezando com isso o manual do fabricante e a própria orientação do instalador.
“Num corredorzinho fechado, onde não vai ter trocas de ar, nós sabemos que a máquina vai ficar desarmando por alta pressão. Tem cliente que até entende quando a gente explica isso, mas existe sempre aquele que mal te escuta”, lamenta.
A máxima expressão de teimosia leiga que ela viu foi num consultório dentário, onde a cliente pediu a instalação de uma unidade condensadora vertical, no suporte de alvenaria originariamente construído para receber um ACJ (Ar-Condicionado de Janela).
Mediante a exigência da cliente, quem estava instalando – que sequer técnico habilitado era – fez o serviço, mas pediu antes que ela assinasse um termo de responsabilidade.
“Claro, deu defeito já no período de garantia, mas o atendimento da fabricante foi negado por instalação indevida, como era de se esperar”, conta Carmosinda.
O instalador? Bem, até hoje a cliente deve estar à procura dele, pois acabou arcando sozinha com a compra de uma nova máquina, em função de sua própria teimosia”.