Em meio à pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), que tem matado centenas de brasileiros todos os dias e destruído milhares de empresas, empregos e a economia de modo global, um assunto acabou passando um tanto despercebido no País.
Em decisão liminar de caráter temporário emitida em 29 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a eficácia de dois artigos da Medida Provisória 927/2020.
A corte máxima entendeu que a contaminação de trabalhadores por covid-19 deve ser considerada doença ocupacional (art. 19) e que – durante pandemia – não deveria haver limitação à atuação de auditores fiscais do trabalho apenas a atividades de orientação, sem autuações (art. 31).
Ao reconhecer a infecção respiratória causada pelo Sars-CoV-2 como doença ocupacional, o STF permitiu que trabalhadores de setores considerados essenciais que forem contaminados possam ter acesso a benefícios como auxílio-doença, protegidos pelo INSS.
Se o artigo 19 continuasse válido, profissionais do setor do frio que atuam como pessoa jurídica (em empresa própria) ou com registro em carteira, além de trabalhadores de farmácias, supermercados e do comércio, por exemplo, não estariam integralmente amparados pelas normas previdenciárias e de proteção ao trabalhador quando afetados pelo vírus.
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No caso específico dos auditores fiscais do trabalho, estes poderão exercer com mais liberdade suas fiscalizações, uma vez que a MP os proibia, por 180 dias, de autuar empresas por qualquer irregularidade, a não ser quando constatado algo muito grave, como acidente de trabalho fatal, trabalho infantil ou em condições análogas à escravidão.
“As empresas vão ter de se precaver, tomar todas as medidas necessárias para afastar este tipo de contágio do funcionário, porque numa eventual ação trabalhista, quem vai ter de provar que o empregado não foi contaminado no local de trabalho é a empresa, não mais o funcionário. Ou seja, o ônus da prova passou para a empresa”, explica o diretor jurídico do Sindicato das Indústrias de Refrigeração, Aquecimento e Tratamento de Ar no Estado de São Paulo (Sindratar-SP), Thiago Rodrigues.
O especialista adverte, no entanto, que o coronavírus deverá ser tratado, pelo INSS, como qualquer outra doença do rol reconhecido pelo órgão federal, inclusive com o segurado passando por perícia médica.
“O INSS vai ter de entender se a covid-19 foi contraída ou não no trabalho, afastar o trabalhador e considerar se a doença é ou não profissional. Não será algo automático considerá-la ocupacional, mas como estamos lidando com Justiça do Trabalho, é preciso se precaver. Mais do que qualquer coisa, ter os instrumentos para criar provas para, em um processo trabalhista, afastar este ônus”, salienta o advogado da entidade.
De acordo com ele, a situação criada por esta liminar do STF poderá trazer consequências nefastas para as empresas, inclusive gerando um salto no volume de ações trabalhistas, especialmente no pós-pandemia.
“Haverá pedidos de reconhecimento da covid-19 como doença do trabalho, com eventuais danos moral e material, além de pensão vitalícia em caso de falecimento e de sequelas que levem, por exemplo, a uma redução de capacidade laboral”, enfatiza Rodrigues.
O operador do direito sugere às empresas guardar todo tipo de documentação que possa comprovar ações realizadas dentro da legislação, a fim de evitar a possibilidade de contaminação dos funcionários.
“É importante se documentar e estar pronto para um processo trabalhista. Seguir todas as normas, ministrar treinamentos e gerar recibos dessas ações, fornecer os EPIs certos e guardar corretamente as fichas de entrega desses equipamentos, dentro da periodicidade recomendada. Não basta entregar os EPIs aos funcionários, é preciso registrar tudo adequadamente. Até as ordens de serviços”, complementa o consultor jurídico do Sindratar-SP.
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