As mudanças climáticas induzidas pelo homem estão ocorrendo numa velocidade muito maior do que a prevista e têm causado “perturbações perigosas e generalizadas na natureza”, um cenário dramático que afeta a vida de bilhões de pessoas em todo o mundo, apesar dos esforços para mitigar seus riscos.
É o que enfatiza o segundo volume do Sexto Relatório de Avaliação (AR6, na sigla em inglês) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) na segunda-feira (28/2).
Segundo o documento, a mudança do clima já reduziu o crescimento econômico e ameaça a segurança alimentar e hídrica, dificultando o atingimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030.
Destinado a tomadores de decisão, a análise mostra que a mortalidade por eventos extremos foi 15 vezes maior em regiões mais vulneráveis na última década e alerta para limites à adaptação com aquecimento global superior 1,5 °C.
Ecoando o alarme soado na primeira parte do AR6, publicada em agosto do ano passado e considerada o documento científico mais contundente sobre a emergência climática, o segundo volume também trata longamente da inevitabilidade de alguns impactos do aquecimento da Terra.
Segundo o painel, no curto prazo, até 2040, a mudança climática causará aumentos “substanciais” nos riscos à humanidade e aos ecossistemas, alguns deles já inevitáveis devido às emissões históricas de gases de efeito estufa (GEE).
Algumas espécies e ecossistemas já enfrentarão nos próximos anos condições climáticas que excedem os limites naturais da adaptação.
Por esses motivos, o presidente do IPCC, Hoesung Lee, avalia que o documento é um alerta terrível sobre as consequências da inação. “Isso mostra que a mudança climática é uma ameaça grave e crescente ao nosso bem-estar e a um planeta saudável. Nossas ações hoje moldarão como as pessoas se adaptam e a natureza responde aos crescentes riscos climáticos”, diz.
O relatório pede cortes rápidos e profundos nas emissões de gases de efeito estufa. “Até agora, o progresso na adaptação é desigual e há crescentes lacunas entre as medidas tomadas e o que é necessário para lidar com os riscos crescentes”, adverte o documento.
Overshoot
Se você já está em pânico, acalme-se, porque piora. O sumário do segundo volume do AR6 também estima os impactos dos cenários climáticos do chamado overshoot — quando a temperatura da Terra ultrapassa um determinado limite por algum tempo e depois retorna.
O limite, no caso, é o de 1,5 °C, acordado em Paris em 2015 e sacramentado após 2018 como a única meta aceitável do acordo do clima.
Em seu primeiro volume, que avaliou a base física da ciência do clima, o AR6 estimou que em todos os cenários de emissões a temperatura global ultrapassará 1,5 °C nos próximos 20 anos, e em apenas um deles ela voltaria a ficar abaixo desse limite neste século.
Segundo o novo sumário, mesmo que o aquecimento retorne a patamares inferiores a 1,5 °C, isso resultaria em “impactos severos e frequentemente irreversíveis” — em ecossistemas, abastecimento de água, segurança alimentar e energia.
Mensagens diluídas
Antes de ser publicado, o segundo volume do AR6 teve suas mensagens diluídas em relação ao rascunho inicial, colocado em discussão em 14 de fevereiro entre os membros do painel e os representantes de 196 países.
Vários dados sobre impactos foram eliminados e a expressão “injustiça climática”, que seria uma inovação nos alertas do IPCC, desapareceu do texto.
A menção a “países mais vulneráveis” e “países menos vulneráveis” também foi alterada para um termo mais genérico, “regiões”, o que evita responsabilização individual.
No entanto, a manutenção da expressão “perdas e danos”, à qual os EUA se opunham, foi uma vitória do painel e deve ajudar a pautar as discussões sobre o tema na COP27, a conferência do clima do Egito, no fim deste ano.
“A grande mensagem neste relatório é que a mudança climática é um brutal agravador de desigualdades e um perpetuador de pobreza”, afirma Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima.
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“A justiça climática precisa entrar na ordem do dia, e esse relatório é a demonstração mais cabal já feita de que já estamos vivendo um contexto de injustiça climática, onde os impactos adversos de eventos climáticos extremos variam por diferenças na exposição e vulnerabilidade, com regiões como a África e a América Latina sendo desproporcionalmente afetadas”, salienta.
O tema tende a pegar fogo no fim do ano no balneário de Sharm el-Sheihk, onde ocorrerá a COP27. A Conferência das Partes da Convenção do Clima da ONU ficou de incluir um assunto fundamental, que é o financiamento a perdas e danos decorrentes de impactos climáticos aos quais já não cabe adaptação.
Na COP26, em Glasgow em novembro passado, os países em desenvolvimento tentaram, sem sucesso, criar um mecanismo específico para isso. “Os países ricos tesouraram. O motivo é que o mundo desenvolvido, principal responsável pelo aquecimento global observado, não gosta de perdas e danos por entender que isso criaria uma brecha para que se exigisse compensação deles por terem estragado a atmosfera no curso de seu desenvolvimento”, avalia o Observatório do Clima
A principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática também diz que mensagem alarmante do painel do clima pode se perder em meio a outra emergência: a invasão da Ucrânia pela Rússia, na semana passada, mergulhou a Europa e o mundo num clima de incerteza e instabilidade.
“Há um pano de fundo climático no conflito: a Europa ocidental sempre buscou o apaziguamento com o autocrata russo Vladimir Putin, porque depende do gás fóssil russo para sua indústria e para aquecimento.”
“A extensão, a duração e os efeitos colaterais da guerra ainda não podem ser estimados”, acrescenta a entidade, salientando que “o primeiro conflito entre nações soberanas no continente europeu desde 1945 cria um clima desfavorável para solucionar uma emergência que exige a cooperação de todos os países do mundo”.
Adaptação
A boa notícia no relatório é que a humanidade já vem adotando medidas de adaptação, sem as quais os impactos já verificados hoje seriam muito maiores.
O problema aqui são dois: primeiro, as medidas vêm sendo adotadas em escala muito pequena, sem o financiamento necessário, “incrementais e reativas”.
Há um hiato entre as medidas de adaptação adotadas e as que precisam ser colocadas em prática e fechadas nesta década.
O outro problema é que algumas medidas de adaptação podem piorar a situação. Entre as medidas de “maladaptação” listadas pelo IPCC estão a adoção de agricultura irrigada e a construção de hidrelétricas em regiões sujeitas a secas.
Povos indígenas e moradores de periferias, alerta o painel, são especialmente vulneráveis a medidas maladaptativas.
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