Embora o mundo esteja bem próximo de ter mais de uma vacina disponível contra a covid-19 em escala industrial, a futura chegada desses imunizantes ao mercado já desperta debates sobre o melhor custo-benefício de cada um. E isso inclui o controle de temperatura.
A questão se torna mais complexa com as características de armazenagem e transporte relativas à vacina de cada fabricante, visto que problemas de logística e infraestrutura afetam especialmente países pobres, como os africanos e os da América Latina, e em desenvolvimento, como o Brasil.
Sem um planejamento muito bem realizado, a chegada das vacinas em locais afastados, como áreas rurais e cidades ribeirinhas onde só se chega de barco após vários dias de viagem e que nem sempre há energia elétrica, seria inviabilizada.
No começo do ano, a alemã DHL, especializada em logística, avaliou que em torno de três bilhões de pessoas não têm acesso aos recursos necessários da cadeia do frio para o suprimento da vacina, mesmo considerando a refrigeração comum.
Outro número preocupante vem da Organização Mundial de Saúde (OMS), que estima em 50% o volume de vacinas que chegam comprometidas ao seu destino, principalmente por falhas no controle de temperatura.
Abaixo de zero
A vacina do consórcio entre a norte-americana Pfizer e a alemã BioNTech, por exemplo, é a mais emblemática. As doses precisam de um verdadeiro frio ártico para sua manutenção – entre -80 ºC e -70 ºC – em freezers especiais.
Entretanto, a armazenagem e o transporte devem ser feitos em recipientes com gelo seco. Outro empecilho está no fato de que ela não pode ser descongelada por muitas vezes. O ponto positivo: testes evidenciaram que essa vacina durou até cinco dias sob refrigeração comum – entre 2 ºC e 8 ºC.
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Já a vacina da farmacêutica norte-americana Moderna precisa de uma temperatura maior, mas também abaixo de zero, isto é, -20 ºC, patamar geralmente alcançável em congeladores comuns de hospitais e farmácias.
Entretanto, a multinacional afirma ser possível armazenar o imunizante em uma faixa mais facilmente atingível por uma geladeira comum ou mesmo uma caixa térmica – de 2 ºC a 8 ºC – por 30 dias.
A vacina russa Sputnik V também precisa de temperatura congelante para ser preservada, a -18,45 ºC. A vantagem é que o produto pode ser liofilizado – transformado em pó –, podendo ser armazenado de 2 ºC a 8 ºC.
A vacina do consócio Oxford-AstraZeneca pode ser mantida na geladeira, em temperaturas entre 2 ºC e 8 ºC, em geladeira doméstica e conservada durante seis meses nessas condições. Tal característica, que facilita em muito a distribuição, é um dos fatores que a transformaram em uma das favoritas.
Outra empresa, a alemã CureVac anunciou que sua vacina, a CVnCoV, não precisa ser congelada, podendo ser mantida apenas refrigerada em geladeiras comuns, com temperaturas entre 4 ºC e 5 ºC. Essa vacina ainda não entrou em fases de testes com um grande número de pessoas.
Já a CoronaVac, que no Brasil está sendo desenvolvida pela biofarmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, também tem como vantagem poder ser armazenada e transportada em uma temperatura de geladeira, entre 2 ºC e 8 ºC.
Padrões de operação
No Brasil, as normas que regem o transporte de vacinas e medicamentos são determinadas pela Resolução da Diretoria Colegiada 430, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“Os devidos cuidados com a manutenção da temperatura ideal ao longo de todo o trajeto e o correto armazenamento da carga são partes fundamentais para garantir o combate à covid-19”, salienta Marcos Augusto Pordeus de Paula, diretor da Frigo King, fabricante nacional de equipamentos de alta tecnologia para refrigeração de cargas transportadas em baixas temperaturas.
Segundo o executivo, o mercado brasileiro de transporte de medicamentos refrigerados adota três padrões de temperatura para atender às características próprias desses produtos, sem afetar sua qualidade e eficácia.
O primeiro deles estabelece temperatura da carga em 18 ºC, com variação na faixa de 15 ºC a 25 ºC, e atende à grande maioria dos medicamentos vendidos no Brasil.
O segundo é com temperatura de 5 ºC, com variação de 2 ºC a 8 ºC, e é adequado para o transporte da maior parte das vacinas e demais produtos mais delicados e tecnologicamente avançados, como insulina.
O terceiro padrão opera em -18 ºC para menos e é adequado para o transporte de outros tipos de vacinas. Enfim, a maior parte das soluções em desenvolvimento contra o novo coronavírus pode ser transportada com os equipamentos atuais disponíveis no Brasil. “Fora desse padrão, será necessário desenvolver algo específico”, diz.