Considerada um aspecto da autonomia feminina, a inserção das mulheres no mercado de trabalho teve início com as grandes guerras mundiais e atravessou um curso de exploração e inferiorização da sua mão de obra durante o processo de industrialização.
Nas últimas décadas, a participação das mulheres no mundo corporativo evoluiu significativamente, mas foi acompanhada por discriminação. Hoje, embora estejam presentes em todos os setores empregatícios – inclusive onde a força de trabalho é majoritariamente masculina –, elas têm menos oportunidades e menores salários.
Essa realidade é global. Não existe uma nação no mundo onde mulheres ganhem mais que homens. Mesmo nos países mais igualitários, como os nórdicos Islândia, Noruega e Finlândia, a diferença salarial continua uma realidade.
Além disso, pouquíssimas mulheres ocupam cargos executivos de alto escalão, como diretorias e presidência, ou participam dos conselhos administrativos de empresas. A cultura organizacional ainda é permeada por “homens no comando”.
Conselhos administrativos
De acordo com a Corporate Women Directors International (CWDI), grupo de pesquisa sediado nos EUA, a diversidade de gênero nos conselhos administrativos empresariais – formado por aqueles que aconselham os profissionais que estão nas lideranças – está acelerando globalmente. Contudo, a América Latina está ficando para trás.
Em dez anos, a presença de mulheres nos conselhos das 100 maiores empresas latino-americanas é praticamente a mesma, avançando ínfimos 1,3% – passou de 5,1% em 2005 para 6,4% em 2015. Em 47 dessas empresas, não há nenhuma mulher no conselho e, entre as 53 que possuem, em 43 delas há apenas uma conselheira.
Esse desequilíbrio na diretoria potencializa o conflito corporativo entre gêneros, muitas vezes implícito, de maneira análoga às formas mais sutis de preconceito, nas falas e ações dos membros da organização.
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“Gosto de trabalhar com você porque trabalha feito homem”, “Está na TPM”, “Se arrume pois a reunião vai ser com o diretor”, “Tinha que ser mulher”, “Depois que tiver filhos não crescerá mais na carreira”, são alguns exemplos daquilo que, segundo o estudo Mulheres e o Mundo Corporativo, realizado pela Robert Half, as profissionais brasileiras costumam ouvir, não raramente, nos corredores das empresas.
A pesquisa ouviu cerca de 300 gerentes e especialistas, sendo que 66% delas já sofreram discriminação por serem mulheres no ambiente de trabalho e 47% já tiveram as habilidades questionadas em momentos de crise.
Teto de vidro
As mulheres têm ocupado cada vez mais posições entrantes nas empresas, mas os homens ainda prevalecem nos cargos de chefia. No Brasil, apenas 18% das mulheres estão em posição de liderança nas empresas e menos de 5% são CEO no País.
É o chamado teto de vidro, conceito introduzido na década de 1980 nos EUA para descrever uma barreira que, apesar de sutil e transparente, é forte o suficiente para impossibilitar mulheres de atingirem níveis mais altos na hierarquia organizacional.
“As mulheres são promovidas de acordo com sua performance, enquanto os homens são promovidos baseados em seus potenciais”, afirma Maria Blase, presidente de HVAC e Transportes da Ingersoll Rand para a América Latina, ganhadora do 13º Prêmio Anual Womem Worth Watching, que aponta as profissionais excepcionais como modelos para jovens mulheres em início de carreira.
O conselho administrativo da Ingersoll conta com quatro mulheres. Os líderes sêniores do grupo empresarial de US$ 12 bilhões – dono das marcas Trane, Thermo King, ClubCar e Schalage – já sabiam que, para o plano estratégico da empresa dar certo, seriam obrigados a fazer mudanças na cultura corporativa, a fim de ampliar e fortalecer a diversidade entre os colaboradores.
“Começamos um programa de inclusão e diversidade na nossa organização há cerca de seis anos. É preciso estar apto para falar sobre gênero”, destaca.
“Há dois anos, fizemos um programa de liderança para mulheres na América Latina. Vinte participantes de alto potencial receberam treinamento durante três meses. Hoje, muitas delas foram promovidas”, conta a executiva, que acredita no potencial de ações como essa para transformar a cultura organizacional. E enfatiza: “É fundamental que as mulheres apoiem as outras mulheres”.
Disparidade salarial
Segundo o Observatório de Igualdade de Gênero da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), as diferenças salariais de gênero persistem como obstáculo para a autonomia econômica das mulheres e a superação da pobreza e a desigualdade na região.
Ainda segundo a comissão, embora essa diferença tenha caído 9,3% entre 1990 e 2014, uma mulher pode receber até 25,6% menos que um homem – e isso ocorre na população mais instruída, com treze ou mais anos de estudo.
Embora ainda não resulte em igualdade, a inclusão da força de trabalho feminina em ciência, tecnologia, indústrias e grandes empresas pode contribuir positivamente para mudar o cenário.
O aumento da escolaridade dos brasileiros e, principalmente, das mulheres, desde os anos 1970 pode ser considerado um fator propulsor de mudanças culturais importantes e, entre elas, a diversificação da escolha profissional feminina no País, acredita a socióloga Maria Rosa Lombardi, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas.
“Essa diversificação seguiu tanto na direção de novas áreas, novas profissões, como por exemplo, as ciências biológicas, as engenharias, o direito, a informática, como em direção a novas profissões, internamente às áreas em que a presença das mulheres já era tradicional”, diz.
HVAC-R
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2014, realizada pelo IBGE, mostram que o número médio de anos de estudos no Brasil subiu de 6,5 para 7,7, entre 2004 e 2014. Esse crescimento ocorre principalmente entre as mulheres que estudam, em média, oito anos, enquanto os homens estudam 7,5 anos.
É sabido que o setor de refrigeração e ar condicionado precisa de profissionais qualificados e as mulheres podem ser parte da solução. “Ser mais qualificado sempre abrirá uma porta. Ter esse senso de educação contínua sempre dará vantagem”, afirma a presidente da Trane na América Latina, Maria Blase.
“Agora é um momento incrível para estar no HVAC-R. É uma boa hora para estar em um mercado de oportunidades e para exercer um papel que impactará positivamente no meio ambiente”, esclarece.
Na avaliação da executiva, o setor está aberto para receber cada vez mais mulheres. “Nós queremos os melhores talentos e a única maneira de conseguir isso é estar aberto para a diversidade”, comenta sobre a política corporativa da Ingersoll Rand.
Quem busca um colaborador com formação técnica de refrigeração e climatização, por exemplo, pode não encontrar nenhuma mulher na lista com mais de 80 formandos da Escola Senai “Oscar Rodrigues Alves”, em São Paulo, no primeiro semestre de 2014, mas da relação do segundo semestre do ano seguinte já consta o nome de três técnicas.
Há 30, 20 ou mesmo 10 anos, era relativamente raro ver uma mulher trabalhando nessa indústria ou gerindo um negócio na área. Os desafios persistem. O gênero de uma pessoa ainda ocupa um importante aspecto na formação das expectativas de seu papel nas relações interpessoais e de trabalho, mas os tempos estão mudando.